Se Fumito Ueda fez escola com Ico, Shadow of the Colossus e The Last Guardian, então Spirit of the North 2, o segundo título da franquia da Infuse Studio, foi o aluno que soube internalizar e aplicar as lições aprendidas. Essa foi a conclusão que tirei nos primeiros minutos da aventura e que se manteve até os créditos finais.
Digo isso porque tanto as obras de Ueda quanto Spirit of the North 2 abraçam um estilo minimalista e muito particular de contar histórias. São produções em que o sentimento de solidão se sobressai diante da incerteza, do amor e, sobretudo, do companheirismo, estados emocionais que esse tipo de jogo costuma favorecer.
Tal como a amizade entre Wander e o seu cavalo Agro nas Terras Proibidas de Shadow of the Colossus, ou mesmo entre Trico e a criança em The Last Guardian, a sequência de Spirit of the North aprofunda a relação da raposa com seu leal parceiro voador: um corvo que, além de servir de companhia, atua como uma espécie de mentor espiritual.
Poesia em forma de jogo
Nos moldes de seu predecessor, o segundo título narra uma melancólica jornada pelo folclore nórdico sem recorrer a diálogos – o que, curiosamente, estimula uma conexão emocional ainda maior com os personagens, como acontece quando interagimos com nossos animais de estimação. A trama se desenrola à medida que encontramos itens colecionáveis, cujas recompensas oferecem fragmentos contextuais, mas também por meio de breves cutscenes.
Há um senso de poesia na forma como Spirit of the North 2 apresenta sua história, já que os animais não se comunicam por meio de diálogos, e sim com gestos e alertas sonoros. Entender o que se passa sem precisar ler uma enxurrada de textos é um grande mérito do estúdio Infuse, que soube aprofundar sua fábula sem empregar, digamos, os recursos comuns para desenvolver uma narrativa.
Não quero me alongar na premissa para não estragar a surpresa de quem pretende jogar. Tudo o que você precisa saber é que Grimnir, um xamã consumido pela inveja e pelo ódio, aprisionou os lendários guardiões, animais claramente inspirados nos mitos nórdicos. Seu objetivo, portanto, é libertar essas feras da corrupção para conseguir voltar para casa.
O mundo aberto é o grande protagonista
Spirit of the North 2 é, acima de tudo, um jogo de puzzle, com elementos de plataforma 3D e uma generosa dose de exploração. Não há sessões tradicionais de combate, apenas confrontos estratégicos contra chefes, nos quais é necessário interagir com o ambiente para causar dano – e isso é tudo o que eu vou comentar sobre os encontros com os guardiões, prometo.
A principal mudança em relação ao primeiro Spirit of the North é a adoção de um mundo verdadeiramente aberto. Denso e recheado de segredos a serem descobertos, o mapa não impõe limites físicos, deixando o ritmo da exploração a cargo do interesse do jogador. Basicamente, tudo o que se enxerga no horizonte é alcançável.
Na mesma linha dos jogos da franquia Zelda, em especial os mais modernos, o mundo aberto conduz a raposa até os quebra-cabeças de forma orgânica, seja por um sinal de fumaça no céu, seja por um monólito que se destaca em meio à natureza. Há, inclusive, puzzles que incentivam a raposa a revisitar áreas com novas habilidades e itens, à la metroidvania, mas nada tão complexo a ponto de fazer você questionar se vale a pena persistir.
Apesar de ter mais espaços vazios do que eu gostaria, o que leva a andanças mais longas do que minha paciência tolera, o mapa entrega uma boa variedade de tarefas e sabe como esconder seus mistérios. Obeliscos, cavernas, santuários e um monte de colecionáveis são apenas alguns dos atrativos que você vai encontrar para seguir explorando.
O salto esperado de uma sequência
Passear pelos cenários é como caminhar ao fim de tarde para aliviar o estresse e clarear a mente. O simples ato de andar, mesmo sem interagir com elementos do ambiente, torna-se terapêutico. Projetado na Unreal Engine 5, o segundo game introduz paisagens de tirar o fôlego, desde florestas densas até lagos congelantes, garantindo a imersão completa nesse mundo estonteante.
Contemplar o nascer do sol após uma longa tempestade é uma das experiências
mais marcantes que Spirit of the North 2 tem a oferecer.
Outro aspecto que merece destaque em relação ao mundo aberto é que as mudanças no clima acontecem de maneira dinâmica, dando nova vida às regiões que já exploramos. Contemplar o nascer do sol após uma longa tempestade é uma das experiências mais marcantes que Spirit of the North 2 tem a oferecer, além de ser um estímulo visual que permanece na memória.
A trilha sonora, por sua vez, flerta com o épico e regula a cadência da aventura por meio de notas musicais. Sons relaxantes complementam os ruídos da natureza, enquanto composições orquestradas ditam o tom dos momentos mais intensos. Além disso, é notável o cuidado com os efeitos sonoros, como a reprodução dos passos da raposa ao percorrer diferentes terrenos, por exemplo.
Progressão fora da curva
E não, eu não vou traçar um paralelo com os jogos da FromSoftware, mas morrer aqui tem um custo. Quando nossa raposa perece, seus cristais, a moeda do jogo, ficam no local da morte, permitindo que você os recupere depois. Esses cristais são usados para adquirir itens, tanto ligados ao progresso quanto cosméticos, nas lojas escondidas dos guaxinins. Portanto, você não pode simplesmente ignorar o que perdeu.
Embora o game não conte com um sistema de progressão por níveis, novas ações podem ser desbloqueadas por meio de uma árvore de habilidades. Os pontos necessários, porém, vêm de baús espalhados pelo vasto mundo – daí a importância de fuçar todos os cantos. Curta ou não esse tipo de sistema, é uma forma divertida de deixar a raposa mais ágil e versátil: explore sem moderação.
Por fim, como ponto de ressalva em relação à jogabilidade, preciso mencionar que os pulos da raposa são imprecisos e frequentemente resultam em movimentos erráticos diante de certos desafios de plataforma, mesmo os mais simples. Fico me perguntando se isso é proposital, uma tentativa de emular a mobilidade – e as limitações – de um animal quadrúpede. Ainda assim, é algo um tanto frustrante e que também prejudicou a experiência no título anterior.
Vale a pena?
Spirit of the North 2 faz a manutenção do que já funcionava em seu antecessor, enquanto adiciona ideias novas, não necessariamente originais, mas que brilharam em outras obras com a mesma pegada introspectiva, vide seu grandioso mapa aberto. É a sequência perfeita, maior e melhor em todas as frentes, com vários momentos de conexão emocional com o mundo e seus personagens. A Infuse Studio, enfim, alcança o objetivo que parecia almejar desde o primeiro título: criar poesia em forma de videogame.
Nota do Voxel: 85
Pontos positivos (prós):
Mundo aberto rico em descobertas;
Puzzles engenhosos, com dificuldade equilibrada;
A exploração orgânica se beneficia do tom melancólico da jornada;
Visualmente impressionante, considerando seu escopo.
Pontos negativos (contras):
Não há localização para o português;
Algumas áreas do mapa são pouco aproveitadas;
Certos movimentos da raposa são erráticos.
Spirit of the North 2 foi gentilmente cedido pela Silver Lining Interactive para o propósito de análise no PlayStation 5 Pro. O jogo está disponível para Xbox Series, PS5 e PC.