Com mais de oito anos de experiência como motorista de aplicativo, Vera Sousa voltou às ruas em 2024 movida pela necessidade financeira e pelo impacto positivo da profissão em sua autoestima. Enfermeira de formação, ela encontrou no volante não só uma nova fonte de renda — que chega a R$ 450 por dia —, mas também uma forma de seguir cuidando das pessoas, especialmente das mulheres, que representam a maioria das suas passageiras. Apesar dos riscos da profissão, Vera defende com firmeza o valor social do seu trabalho e acredita que, feito com seriedade, dirigir por app ainda vale a pena.
Minha primeira pergunta é saber há quanto tempo você é motorista e o que te levou a começar a realizar essa atividade.
Vera: Então, eu estou cadastrada na plataforma desde 2016, quando eu levava meu filho ao colégio em São Paulo. A escola ficava muito longe da minha casa, e era cansativo ter que ir, voltar pra casa e depois buscar ele novamente. Comecei a dirigir como uma forma de economizar e também de ganhar um dinheiro extra.
Sou enfermeira e, na época, trabalhava em uma ONG que fazia prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Mas esse trabalho era apenas em finais de semana, feriados, eventos… então eu tinha disponibilidade. Como eu gosto muito de dirigir, resolvi me cadastrar.
Depois, em 2019, me mudei para a Bahia e parei de dirigir. Retornei agora no início de 2024 porque precisava trabalhar. E o trabalho como motorista de aplicativo me faz muito bem, principalmente para a minha autoestima.
Tenho depressão e também sofri um acidente de trabalho, o que me impede de atuar na enfermagem, apesar de ainda ser enfermeira de formação. Retornei à plataforma, especificamente ao Uber, no início de 2024, e desde então estou dirigindo direto. Gosto muito do trabalho como motorista.
E Vera, agora eu gostaria de saber um pouquinho sobre a sua rotina de trabalho. Então, atualmente, né, você trabalha todos os dias, folga algum, de quantas a quantas horas você trabalha? Como que é isso para você?
Vera: Eu trabalho todos os dias. O único dia que eu trabalho menos é na quinta-feira, que é o dia do meu rodízio. Aproveito esse tempo que não posso rodar para cuidar das minhas coisas, organizar a casa, fazer manutenção do carro…
Eu moro sozinha. Meu filho é estudante de medicina e estuda em outro estado, no Rio Grande do Sul. Essa é minha única fonte de renda. Como ele não trabalha, e eu sou mãe solo, eu dependo muito dessa renda que o Uber me proporciona.
Além disso, eu gosto muito de dirigir. Me sinto muito útil. Apesar de não estar atuando na enfermagem, acredito que como motorista eu também cumpro um papel importante na vida das pessoas — como conselheira, psicóloga, até mesmo como enfermeira, orientando e conversando. A maioria dos meus passageiros são mulheres, e isso me faz muito bem, apesar de todos os perigos.
Nunca fui assaltada na Uber. Eu só dirijo para o Uber, e me sinto muito bem. É uma realização pessoal. E assim, o dia que eu não dirijo, eu fico mal, não me sinto bem.
Minha próxima pergunta é saber um pouco sobre a sua maneira de trabalhar. Então, você é uma motorista seletiva nas corridas que você aceita? Você só volta para casa depois de faturar determinado valor? Como é isso para você?
Vera: Eu sou um pouco seletiva em relação à localização. Eu dirijo em São Paulo — moro em Guarulhos, mas atendo todas as regiões. Não tenho problema com isso. Só que tem alguns pontos em que já me senti insegura, especialmente na região central de São Paulo. Então, evito determinados horários por lá. Mas, dependendo do horário, eu dirijo sim, sem medo. Tomo todos os cuidados necessários.
Meu carro tem vidro filmado. Eu também não uso suporte no painel por receio de que bandidos vejam e quebrem o vidro. Faço de tudo para me proteger e proteger os passageiros.
Dirijo até onde consigo, até onde o Uber permite, porque sinto muito prazer em dirigir. Se não tenho nenhum compromisso que me obrigue a voltar pra casa, eu continuo até completar as 12 horas permitidas.
E olha, trabalhando da maneira que você trabalha, você consegue faturar quanto por dia?
Vera: Então, eu já cheguei a faturar R$ 1.800 por semana, principalmente nos meses de novembro e dezembro. Isso sem necessariamente trabalhar as 12 horas todos os dias.
Tem dias que o movimento está bom, e às vezes estou perto de casa, então volto, almoço, descanso um pouco e depois saio de novo para rodar.
O horário varia bastante. A maioria das minhas passageiras são mulheres. A Uber tem aquela opção de corrida só para mulheres, embora eu não tenha ativado o recurso “Elas”, mas mesmo assim recebo muitas corridas de mulheres.
Acho isso muito importante. À noite, nos finais de semana — sexta, sábado e domingo — geralmente trabalho bastante. É quando as mulheres estão indo para festas, baladas, mães indo ou voltando de eventos…
Algumas até me pedem para esperar até elas entrarem em casa. Isso acontece muito. Às vezes são 4 horas da manhã e elas dizem: “Vera, você pode esperar eu entrar em casa?” Eu acho isso muito legal. Me sinto honrada com essa confiança que elas têm em mim.
E Vera, agora falando um pouco sobre custos, como você se organiza nisso? Você costuma iniciar o dia de trabalho com o tanque cheio? Quanto você abastece? Como que é isso?
Vera: Geralmente eu abasteço quando chego em casa. Procuro postos de gasolina com promoção. Perto de onde eu moro tem um posto que está sempre com preço bom, então já deixo o carro abastecido e com os pneus calibrados. Aprendi a calibrar sozinha.
Faço isso porque tenho depressão, ansiedade, e às vezes acordo de madrugada e vejo que está tendo bastante movimento. Como moro sozinha, eu tomo banho, tomo café, me arrumo e saio para dirigir. Não tenho um horário fixo. Saio quando sinto vontade.
E agora falando um pouquinho sobre quilometragem, quantos quilômetros mais ou menos você roda por dia? Você tem essa noção?
Vera: Depende muito do dia, porque tem muito trânsito em São Paulo. Mas em média, rodo 600 km por dia — às vezes até mais. Se for final de semana, acabo rodando ainda mais que isso.
A média das corridas aceitas por você pagam mais ou menos algum valor por quilômetro, tipo R$ 1,50, R$ 1,60? Você tem essa noção?
Vera: Então, eu não faço muita questão em relação ao valor por quilômetro. Tem dias que eu acordo e vejo que tem dinâmica pagando R$ 5, R$ 7, até R$ 20 a mais. Eu gosto bastante de dirigir na chuva, inclusive. Quando está chovendo forte, com temporal, eu gosto de sair para dirigir. Gosto muito de ajudar as pessoas a chegarem em casa nesses momentos.
Mesmo quando não tem dinâmica, eu dirijo à noite dependendo do horário, pelo valor normal que a Uber oferece. Eu penso que, se não tem dinâmica, em compensação não tem trânsito — e o trânsito dificulta bastante o trabalho, me impossibilita de fazer mais corridas. Sem trânsito, mesmo sem dinâmica, às vezes tem muitas chamadas seguidas, uma atrás da outra, e isso compensa.
Entendi. Você tem uma noção de quanto consegue faturar por dia?
Vera: Tenho sim. Por exemplo, hoje eu consegui faturar R$ 250 em cerca de 4 horas. Aí eu vim para casa porque meu filho está de férias, também tinha esse compromisso com você e precisava fazer o almoço. Depois eu volto a trabalhar no início da noite, por volta das 18h até umas 24h. Durante a semana, chega um horário em que as corridas diminuem bastante.
Então, em média, durante a semana, eu consigo faturar entre R$ 400 e R$ 450 por dia.
E agora falando de lucro mesmo, nesses R$ 400, R$ 450, quanto você acha que fica de lucro?
Vera: Isso depende muito dos horários e das dinâmicas. Por exemplo, nos dias de chuva ou quando tem menos motoristas na região, as corridas aumentam muito. Já teve final de semana em que coloquei R$ 120 de combustível e faturei R$ 400.
Também acho que meu carro ajuda, porque ele é econômico. É um carro manual, não é automático. Mas não sei te dizer exatamente o valor líquido de lucro, não tenho esse cálculo certinho.
Sem problemas. Você trabalha só na categoria UberX?
Vera: Só, ainda sim.
E minha próxima pergunta é saber mais ou menos se você tem noção das taxas da Uber. Você sabe qual é a porcentagem que a Uber retira das corridas?
Vera: Sim, eu vejo isso nas mensagens que a Uber manda no final da semana, no resumo. Fica em torno de 19%. É o que eu leio lá, é essa média.
E minha próxima pergunta, Vera, é saber: na sua opinião, qual é o maior desafio de um motorista de aplicativo hoje?
Vera: A segurança. Mas não segurança com os passageiros — a segurança da cidade mesmo. O maior medo é ser assaltada.
Eu não tenho medo de ir para comunidades, acho importantíssimo esse trabalho. Outro dia estive numa grande comunidade na Cidade Tiradentes e fiquei o dia inteiro lá. Foi muito importante, impressionante e gratificante.
Eu estava numa região onde só recebia chamadas de mulheres, com corridas de R$ 10, R$ 5, R$ 7, e todas já mandavam mensagem: “Não cancela, por favor.” E eu ficava pensando por que estavam me pedindo isso. Quando eu chegava, era muito acolhida por elas. Agradeciam, elogiavam meu carro, diziam “muito obrigada por ter vindo”.
Eram mães indo ou voltando da escola, indo para o hospital, voltando para casa. Gostei muito e não senti medo. Tenho mais medo mesmo é do centro de São Paulo, onde tem pessoas que quebram vidro de carro para assaltar, para roubar celular — nem é pelo carro.
Minha preocupação é com a minha segurança e também a dos passageiros. Por isso, mandei colocar película nos vidros do carro, ando sempre com as portas travadas, ar-condicionado ligado e procuro manter o máximo de conforto possível para que elas se sintam seguras e confortáveis.
Você falou que começou a ser motorista em 2016. Eu gostaria que você fizesse um comparativo breve: como era ser motorista naquela época e como é agora? Você acha que hoje em dia é mais rentável ou não? Qual a sua visão sobre isso?
Vera: Naquela época, eu não via muita vantagem, nem financeira. Até porque eu trabalhava em uma ONG, tinha um salário fixo, ganhava bem. Era uma renda certa. Então, em relação aos valores, nem dava para comparar. Eu achava que dirigir dava pouco.
Mas hoje, como não tenho outra renda e sou exclusivamente motorista, acho que está bom para mim. Estou conseguindo pagar minhas contas e as do meu filho. Claro, tem muitos gastos por fora — manutenção do veículo, essas coisas — mas está suprindo minhas necessidades.
Acho que melhorou muito também na questão da segurança. O transporte por aplicativo evoluiu bastante, tanto para as motoristas quanto para as passageiras.
Principalmente agora com o código de segurança — ativei no meu app para que as passageiras tenham que informar o código para iniciar a corrida. Também recebo mensagens da Uber quando estou parada no trânsito perguntando se está tudo bem. Acho que, nesse sentido, está bem legal.
E você lembra de quanto você faturava naquela época, em comparação com o que você fatura hoje?
Vera: Não, não lembro. Mas também não dirigia tanto quanto hoje. Era só o período em que eu deixava meu filho no colégio e ficava rodando ali por perto até dar o horário de buscá-lo. Depois voltava para casa.
E os valores não tinham tanta importância quanto hoje, até porque naquela época a minha dedicação não era a mesma de agora.
E Vera, para você, quais dicas você daria para quem está começando agora como motorista de aplicativo? E você ainda acha que vale a pena?
Vera: As dicas que eu dou são: o motorista precisa sair de casa bem organizado, descansado, ter dormido o suficiente e estar bem alimentado. O carro também precisa estar em ordem — com a manutenção em dia, documentação regularizada, confortável e limpo.
Eu sempre deixo balinha no meu carro, uma sacolinha, uma toalha, e, principalmente nos finais de semana, deixo também lenço e álcool em gel. Acho isso importante para as passageiras, e para o motorista estar bem também.
Também cuido da música no carro. Tenho uma playlist pensada para as passageiras, e, se o passageiro não quiser ouvir determinada música, eu mudo. Acho isso importante.
É essencial se dedicar, fazer com amor e levar a sério como uma profissão, como um trabalho de verdade. Ter um objetivo, estar focado. Porque se fizer com seriedade, dá certo.
Eu encorajo muitas mulheres a dirigirem.
Vera, da minha parte, acho que é isso. Mas se você quiser acrescentar algo, algo que tenha sentido falta na nossa conversa…
Vera: Sim, eu gostaria de deixar registrada aqui minha indignação com uma situação que aconteceu comigo. Foi um problema com uma empresa em Guarulhos, onde eu troquei dois pneus. Em menos de 15 dias rodando, um dos pneus estourou. Eu estava com uma passageira e um bebezinho de colo no carro. Foi muito difícil, isso aconteceu num sábado de manhã.
Parei o carro, não conseguimos trocar o pneu. O marido dela que tinha pedido o Uber para ela não tinha como resolver. Precisei cancelar a corrida e chamar outro carro para levá-los ao destino. Tive que esperar alguém buscar meu carro.
A empresa onde comprei os pneus não me deu suporte e não garantiu os pneus. Fiz algumas avaliações negativas, e eles começaram a me pressionar, a me coagir, ameaçando me processar por estar postando essas avaliações. Gravei alguns vídeos relatando o que aconteceu e a empresa me processou, alegando difamação.
Entraram com uma ação judicial pedindo uma liminar para que eu retirasse os vídeos da internet. A advogada da empresa entrou em contato comigo, querendo fazer um acordo. Eu disse que só trataria com meu advogado. Depois disso, ela me exigiu que eu a chamasse de “doutora”, dizendo que estudou para isso e que ser advogada era uma profissão nobre, diferente de motorista de aplicativo.
Fiquei muito incomodada e revoltada com essa fala. Eles realmente me processaram. Consegui um advogado que está me representando sem cobrar nada. O juiz deu uma decisão parcialmente favorável, permitindo que eu continue postando vídeos, desde que deixe claro que o caso está em processo judicial e que posso ser multada se estiver mentindo.
Me senti muito indignada. Falei para ela que ela não deveria tratar motoristas de aplicativo dessa forma. Que merecemos respeito, que somos profissionais, e que ela ou alguém da família dela poderia precisar do nosso serviço um dia. Ela respondeu que não precisa, que só anda de BMW blindada e não usa plataformas.
É um absurdo mesmo. E tenho todas essas conversas salvas, foram trocas de mensagens pelo WhatsApp.
Inclusive, já apareceu um advogado para me defender depois que os vídeos viralizaram. Ele pegou a causa sem cobrar nada, e agora estamos tentando reverter a indenização que ela pediu. Já está habilitado no processo, estamos aguardando o desfecho.
Mas ela falou exatamente isso para mim: “Me chame de doutora, pois eu estudei para isso. É uma profissão nobre, não como motorista de Uber.” E eu respondi: “Não menospreze, doutora. Eu também posso ser chamada de doutora se eu quiser, porque sou enfermeira, e meu conselho me permite usar o título. Mas não vejo necessidade. Só que respeito é essencial.”
Ela então disse: “Não preciso de motorista de aplicativo. Só ando de BMW blindada.” Eu tenho tudo isso registrado, nas conversas de WhatsApp.
Quero muito que isso apareça, porque os motoristas de aplicativo são muito importantes para a vida das pessoas, em todos os sentidos. É um serviço que teve uma excelente adesão. Eu mesma já usei muito, quando meu filho estudava nesse mesmo colégio.
Tinha dias que eu não podia buscá-lo, não tinha dinheiro para táxi e ele usava Uber. Sempre usou — em São Paulo, em Salvador, agora no Rio Grande do Sul. Todo mundo usa. É um serviço muito importante. E gera muito trabalho e renda para muita gente.
No meu caso, não é só pelo dinheiro. É pelo meu bem-estar psicológico. Dirigir me faz muito bem. Me dá ocupação. É minha única renda hoje, porque estou com um processo judicial que me impede de trabalhar na enfermagem.
Enquanto isso, sou motorista, e não tenho vergonha nenhuma disso. Pelo contrário, me sinto honrada e feliz quando consigo ajudar alguém. Faço de tudo para que a pessoa se sinta bem. Muitas me pedem: “Não cancela, por favor”. Principalmente as mulheres. Eu entendo as dificuldades que enfrentam e vou até onde elas estão.