Hideo Kojima fala sobre conexão, isolamento e Death Stranding 2! Veja entrevista com o Voxel

Hideo Kojima é um cara tão fã de criar conexões que levou um grupo de jornalistas para jogar Death Stranding 2: On The Beach “em sua casa”, a Kojima Productions, durante dias. O Voxel teve a chance de conhecer a nova obra do desenvolvedor e, além disso, participar de uma entrevista com o anfitrião.

Apesar da grande vontade de se conectar com todos, o papo com Hideo Kojima foi repleto de barreiras. Nós pudemos enviar perguntas para a equipe, que repassou todas as dúvidas para o desenvolvedor. Em seguida, os questionamentos selecionados pelo crivo misterioso do estúdio foram respondidos pelo dono da casa.

Na coletiva com o Voxel, Hideo Kojima comentou sobre a pandemia, a influência do isolamento social em seus games e, claro, sobre Death Stranding 2. Além disso, o lendário desenvolvedor também comentou sobre os métodos de escolhas de atores de seus games, o futuro da franquia e até seu próprio destino no mercado nos próximos anos.

Voxel participou de encontro com Hideo Kojima.

Confira entrevista completa com Hideo Kojima em português brasileiro

A seguir, você pode conferir a descrição completa da entrevista com Hideo Kojima que o Voxel participou diretamente da Kojima Productions. As palavras do desenvolvedor não foram alteradas, apenas traduzidas para português brasileiro e, em alguns casos, adaptadas para o nosso idioma — no caso de mecânicas de jogo, por exemplo.

Para quem é fã do trabalho do desenvolvedor, vale a pena tirar um tempinho para conferir cada palavra do criador de Death Stranding! Aproveite o conteúdo e deixe sua opinião nas redes sociais e YouTube do Voxel.

O que você pretendia fazer ao criar uma sequência para Death Stranding? Quais foram as principais mudanças que quis implementar em relação ao jogo anterior?

Hideo Kojima: Com a transição do PlayStation 4 para o PlayStation 5, a maioria das mudanças foi focada no design do jogo e na história. Gostaria que vocês se lembrassem do primeiro Metal Gear Solid, em que era realmente necessário focar em furtividade, caso contrário era fim de jogo. Antes de chegar ao elevador, você não tinha nenhuma arma. Mas, ao subir, você finalmente tinha acesso a algumas. 

Fiz isso porque, se colocasse uma arma logo no começo, as pessoas iriam usá-la para derrubar os inimigos, e o jogo deixaria de ser uma espécie de “esconde-esconde”. Por isso tirei essas armas de propósito — mas muita gente odiou isso, e muitos nem chegaram ao elevador. No MGS1, colocamos várias mecânicas para ensinar o jogador a usar furtividade. Então, em MGS2, como eu sabia que os jogadores já tinham entendido o conceito, tornei as armas mais acessíveis. Era possível até mirar em partes específicas do corpo na visão em primeira pessoa. Com DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH foi a mesma coisa.

Metal Gear Solid | Metal Gear Wiki | Fandom
Metal Gear Solid 1.

O jogo original era uma experiência de entregas como ninguém nunca tinha visto antes, então algumas pessoas podem ter se sentido frustradas com isso. Mas agora, como os jogadores já estão mais familiarizados com essa proposta de um jogo focado em entregas, eu quis oferecer mais liberdade em DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH — para quem quiser batalhar, por exemplo. Você pode usar armas — pode, mas não precisa. Pode usar veículos e motos — o jogo agora é mais acessível nesse sentido. Continua sendo um jogo de entregas, mas quis dar mais liberdade nas mecânicas de jogo — essa foi a intenção.

“Como os jogadores já estão mais familiarizados com essa proposta de um jogo focado em entregas, eu quis oferecer mais liberdade”

Quanto à história, antes em DEATH STRANDING, era sobre Sam e Cliff. Agora é sobre quem é a Lou, a relação entre Sam e Lou, e um mergulho mais profundo na história de Sam. Esse foi o objetivo da narrativa em DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH.

Você se surpreendeu com a forma como os jogadores usaram os elementos online do primeiro jogo, e isso influenciou suas escolhas para DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH?

Hideo Kojima: Sim. Em relação ao Social Strand System, ou SSS, eu não sabia se as pessoas entenderiam e gostariam disso — até fizemos testes de monitoramento e nossa equipe jogou para testar. No meu estilo pessoal de jogar, eu uso escadas e construo pontes, mas nunca construo as estradas; apenas uso as que outros jogadores fizeram. Sempre joguei assim.

Não imaginei que tantas pessoas iriam gostar tanto de construir estradas, mas quando o jogo foi lançado, tinha um monte de gente só construindo isso! Mesmo depois de 5 anos, ainda vejo jogadores construindo e mantendo essas estradas — foi uma alegria inesperada.

Death Stranding - Edição Padrão - PlayStation 4 | Amazon.com.br
Death Stranding.

Pessoas que gostavam de Animal Crossing também gostaram de DEATH STRANDING, o que foi outra surpresa — eu não entendia o porquê! Então, para DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH, precisei pensar nesses jogadores que curtiam construir estradas, e assim surgiu a ideia do monotrilho. No meu jeito de jogar, eu só construo o monotrilho na primeira cidade, mas sei que haverá jogadores que não vão construir nenhum.

“Pessoas que gostavam de Animal Crossing também gostaram de DEATH STRANDING, o que foi outra surpresa.”

Uma das primeiras discussões da equipe foi sobre o sistema de “curtidas” (LIKEs). Uma “curtida” não é uma moeda — você não ganha itens ou fica mais forte só por receber curtidas. A equipe achava estranho, porque normalmente em jogos você ganha pontos, sobe de nível, etc., mas a curtida em DEATH STRANDING é só para o seu bem-estar. 

É como uma curtida nas redes sociais: não vale nada, mas faz você se sentir bem. Eu queria trazer algo assim, e no fim, parece que as pessoas gostaram. Eu esperava mais reações negativas. A equipe que era contra essa ideia acabou curtindo no final.

Com sistemas novos assim, preciso ver como os jogadores reagem depois do lançamento. No Director’s Cut, consegui ver dados dos jogadores, como mapas de calor, então o Director’s Cut foi feito refletindo e melhorando com base no jogo original. E agora, com DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH sendo uma sequência, tenho uma noção melhor de como os jogadores se comportam.

Na verdade, eu esperava que as pessoas largassem a mochila e fossem para a batalha, mas vi que quase ninguém faz isso, porque acham que vão perder as encomendas se deixarem a mochila para trás! Acho que isso é verdade na nossa vida real também, então, apesar de eu ter notado isso nos testes, não adicionei nenhuma mecânica específica.

Por que você escolheu o México e a Austrália como novas regiões em DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH?

Hideo Kojima: O México é uma continuação do continente norte-americano. Com a formação da UCA, seria natural conectar a próxima cidade. Mas como o Sam diz várias vezes, isso seria uma invasão, então eu precisei refletir sobre isso.

Em DEATH STRANDING, você conecta o continente norte-americano de Leste a Oeste, espelhando a exploração da fronteira americana. Os Estados Unidos já têm a UCA, então para a sequência, fiquei em dúvida se deveria usar o mesmo tipo de ambientação ou não. Minha primeira ideia era que o jogador teria que desconectar tudo o que conectou, porque descobriria que conectar foi um grande erro. Mas isso não parecia certo, pois seria basicamente reutilizar os mesmos ambientes.

“Eu poderia criar infinitas sequências! Claro, não tenho planos para isso, mas já tenho um conceito para outra sequência.”

Eu queria uma área extensa de Leste a Oeste, como a América, e que também tivesse o oceano ao Norte e ao Sul. Nesse caso, a Eurásia ou a África pareciam grandes demais, então em termos de tamanho e escala, achei que a Austrália era a escolha certa. Com isso em mente, precisei pensar em como conectar a América do Norte com a Austrália, e como último recurso, criamos o  “Portal Tunelar” (Plate Gate).

Com esse conceito do  Portal Tunelar (Plate Gate), eu poderia criar infinitas sequências! Claro, não tenho planos para isso, mas já tenho um conceito para outra sequência. Não pretendo fazê-la pessoalmente, mas se eu passasse a ideia para outra pessoa, ela provavelmente conseguiria realizar.

Um dos grandes temas de DEATH STRANDING é a conexão entre as pessoas, mas DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH levanta a pergunta: deveríamos mesmo ter nos conectado? Você é muito ativo nas redes sociais na vida real. Os jogos refletem sua experiência e mudança de atitude em relação às redes sociais?

Hideo Kojima: Já falei sobre isso em outras entrevistas, e não quero entrar muito em detalhes porque pode ser spoiler. Lançamos DEATH STRANDING antes da pandemia de COVID-19. O mundo já caminhava para o isolamento e a divisão, como o Reino Unido saindo da União Europeia. Então minha mensagem era: “Vamos nos conectar. Se não fizermos isso, vamos acabar em desastre.” Essa era a ideia central da história e da jogabilidade de DEATH STRANDING. E então, apenas três meses após o lançamento, veio a pandemia — e eu fiquei realmente surpreso. Era como se o mundo tivesse se tornado DEATH STRANDING, de certa forma.

No mundo real — no século XXI — temos algo parecido com a Rede Quiral: a internet. Isso foi bem diferente do que aconteceu em pandemias anteriores, como a Gripe Espanhola no século XIX. Conseguimos sobreviver à pandemia graças à internet, porque as pessoas estavam conectadas online.

“Conseguimos sobreviver à pandemia graças à internet, porque as pessoas estavam conectadas online.”

Hoje, há pessoas no nosso estúdio que trabalham de casa e cujos rostos eu ainda nem conheço. Shows de música foram cancelados, tudo virou streaming. Entendo que isso foi inevitável durante a pandemia. O mesmo aconteceu com as escolas — ao invés de brincar com os amigos ou aprender com os professores, os alunos apenas olhavam para uma tela online, como se estivessem assistindo a vídeos no YouTube.

Tudo começou a caminhar para o metaverso. Quando você ligava a TV, todos estavam dizendo que agora era a era do metaverso, e que não havia mais necessidade de interagir com as pessoas. Eu senti que estávamos indo por um caminho muito perigoso. A comunicação humana não deveria ser assim. 

Você encontra pessoas por acaso ou vê coisas inesperadas. Do jeito que estávamos indo, tudo isso desapareceria. A ideia para DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH já existia antes da pandemia, mas depois de tudo o que vivemos, senti que aquilo não estava certo e reescrevi tudo. É algo muito estranho. Depois de criar um jogo com o tema “vamos nos conectar em vez de nos isolar”, veio a pandemia, e eu comecei a pensar: “Talvez se conectar demais não seja uma coisa tão boa assim.”

Isso volta à teoria do bastão e da corda. Há muitos prenúncios no jogo, e tenho certeza de que muitos vão entender quando jogarem — especialmente ao final. Há um personagem no jogo que expressa exatamente os sentimentos que eu tive durante a pandemia. O logo é uma pista: em DEATH STRANDING, os fios vêm de baixo — com o tema “vamos nos conectar”. Desta vez, em DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH, os fios vêm de cima. É como o logo de O Poderoso Chefão.

Durante o jogo, você verá fios vindo de muitas pessoas — como Dollman e os soldados mecha. Esses são todos indícios. Quando você começa a pensar no que realmente significa “conectar”, começa a se questionar… É tudo o que posso dizer por enquanto. Por favor, jogue o jogo quando sair em junho!

Sei que todos vocês também viveram a pandemia, então talvez isso tudo soe familiar — mas não tenho certeza. Não estou dizendo que o metaverso é malvado. Mas vocês vieram até aqui e jogaram por quatro dias. Isso hoje em dia seria feito online, normalmente.
Mas este jogo é sobre conexão. E acho que vocês vão sentir isso ao jogarem mais de DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH. 

É por isso que convidamos vocês a virem fisicamente, mesmo com as agendas lotadas — pessoas do mundo inteiro se reuniram aqui. Tenho certeza de que vocês conheceram muita gente e conversaram bastante. Viram a vista da estação de Tóquio ou talvez tenham entrado por acaso em um restaurante — essas são experiências humanas.

Essas coincidências e acontecimentos não intencionais se conectam de forma natural, mas isso não acontece no metaverso. Talvez você pense “O que esse cara tá dizendo?”, mas estou feliz que todos puderam vir. E realmente gostaria que vocês tivessem podido jogar até o final!

A pandemia de COVID-19 afetou profundamente o mundo, e essa influência parece ecoar por todo DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH. Você mencionou que reescreveu o roteiro significativamente por causa da pandemia. Como isso reformulou sua visão para a sequência

Hideo Kojima: Não fui só eu — muitos criadores sentiram o mesmo. O mundo inteiro passou por isso. Quem imaginaria que algo assim aconteceria? Na abertura do jogo, vocês viram a cena em que a Fragile visita o Sam e a Lou no esconderijo — eu já tinha escrito essa cena enquanto ainda fazia DEATH STRANDING.

Em janeiro de 2020, convidei a Léa para participar da sequência. Foi bem no início da COVID. Ela aceitou, então meu plano original era filmar a performance capture naquele ano e colocar essa cena no final do Director’s Cut. Mas como a pandemia começou em fevereiro, não conseguimos fazer nada e acabamos atrasando tudo. No entanto, conseguimos nos concentrar no Director’s Cut, então, no fim das contas, deu certo.

Você sempre escolhe muitos atores novos e diferentes para seus projetos. Qual é o processo ou os critérios que você usa para escolher esses atores?

Hideo Kojima: Por causa da COVID, esse processo foi bem longo. Normalmente, um título AAA leva cerca de 4 anos — dessa vez, com a pandemia, levou uns 5 anos. Requer muita força física e mental. Para filmar, primeiro temos que escanear o ator, definir cabelo, maquiagem, figurino e depois criar os dados digitais. Depois, para gravar as cenas, todos precisam estar presentes fisicamente.

Mas, diferente de um filme, não gravamos tudo de uma vez em 3 ou 4 meses. Nos reunimos periodicamente enquanto o jogo vai sendo desenvolvido. É difícil para todo mundo. Não são apenas 3 meses e tchau. Ainda temos o ADR depois.

Por exemplo, com o Luca, que interpreta o personagem Neil, ele não aparece só nas cutscenes. Quando ele aparece como NPC, tem várias falas adicionais, como grunhidos e sons corporais. Essas gravações parecem nunca acabar. E claro, esses atores estão sempre ocupados com outros projetos.

No fim, tudo se resume a conexão — quase como em DEATH STRANDING. Meu processo de escolha começa com atores de quem eu gosto. Assisto filmes e séries e penso: “Quero trabalhar com essa pessoa algum dia.” Vou até o ator diretamente para conhecê-lo e apresentar meu conceito.

Alguns, por sorte, já são meus fãs — ou têm familiares ou agentes que são. E então tudo depende de eles dizerem “sim” ou “não”.
É uma relação longa, então costumo sair para jantar com eles ou passar um tempo juntos para ver se a química funciona. Se eles disserem “sim”, aí seguimos para os agentes e fechamos tudo.

“Só o processo de escaneamento leva pelo menos 3 dias. Escaneamos até os dentes no dentista! É realmente difícil.”

A Léa, por exemplo, foi reescaneada para DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH durante a pandemia. Só o processo de escaneamento leva pelo menos 3 dias. Escaneamos até os dentes no dentista! É realmente difícil. Depois, quando os dados chegam, começamos a refiná-los.
O artista responsável pelo personagem da Léa vai passar anos olhando para o rosto dela todos os dias. Você só conseguiria fazer isso se realmente gostasse dela!

Em DEATH STRANDING, eu adorava a Lindsay Wagner. Ela era minha ídola — tenho todos os Blu-rays e já vi todos. Mas o jovem artista que foi designado para trabalhar com o modelo dela nem sabia quem ela era — mesmo assim, ele teve que olhar para o rosto dela todos os dias para ajustar os dados. E isso é uma história real: no fim da produção, fui até a mesa dele e vi um box de A Mulher Biônica na mesa. Quando perguntei o motivo, ele disse que, depois de ver o rosto dela todos os dias, virou fã.

Então é assim que escolho os atores. Às vezes faço testes de elenco, mas, no geral, tudo gira em torno da conexão. Isso vale também para OD, Physint e outros projetos.

Existe alguma atuação em DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH da qual você se orgulha particularmente?

Hideo Kojima: Sim. Houve uma cena com Neil e Lucy. Provavelmente vocês só viram uma cena deles até agora. Teremos muitas outras boas cenas depois também.

O Luca Marinelli — eu já falei isso em várias ocasiões — apareceu em um filme italiano chamado Martin Eden, no qual ele estrelou. Achei o filme incrível. Pode ter sido antes da pandemia, mas escrevi um comentário para a divulgação do filme no Japão. Foi aí que o Luca me mandou um e-mail, dizendo que era fã desde a infância e que tinha lido o comentário que escrevi sobre o filme. Ele pediu ao distribuidor meu contato, e foi assim que nos conhecemos.

Solid Snake is back in Death Stranding 2 but not as you remember him |  Metro News
Luca Marinelli em Death Stranding 2.

Quando pensei em escalar o Luca, também pensei que esse novo personagem teria que superar o Mads Mikkelsen. Me perguntei: “Isso é possível?” O personagem do Mads não poderia voltar em DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH, e sei que há fãs chateados com isso, mas eu precisava de alguém que pudesse ir além do Mads. Foi aí que lembrei do Luca, mandei uma DM oferecendo o papel e ele aceitou.

Eu também estava procurando alguém para o papel da Lucy, mas como era durante a pandemia, não estava fácil. Um dia, o Luca me perguntou se eu já tinha escalado a atriz que contracenaria com ele, e eu disse que não. Então ele falou: “Minha esposa é atriz e também dirige filmes.” Nos conhecemos, e ela era muito brilhante e inteligente. Achei que seria perfeita para o papel de conselheira. Fizemos a captura durante o auge da pandemia. O Neil tem cenas com o Norman, e a Alissa (Jung), que interpreta a Lucy, teve principalmente cenas com o Luca. Não posso dizer mais, ou seria spoiler.

Na época, o Luca estava gravando uma série chamada M: Filho do Século, dirigida por Joe Wright. Quando o convidei para o papel, ele estava muito bonito, parecia um jovem Alain Delon. Mas quando veio para a captura, sua aparência tinha mudado bastante. Perguntei o que tinha acontecido.

Ele disse: “Ah, estou ganhando peso para o papel de Mussolini.” Não havia muito o que fazer, então fizemos a captura como estava. Um ano depois, quando fomos fazer a captura de performance, ele estava completamente diferente. Pensei: “Esse não é o Luca que eu imaginei.” Tivemos que ajustar digitalmente. Foi um erro de cálculo. Mas a série é excelente!

A maioria das cenas entre Alissa e Luca são apenas os dois. O curioso é que, por serem casados na vida real, têm uma química incrível. Luca também faz teatro, e Alissa é atriz e diretora, então às vezes ela tentava assumir o papel de diretora! Fizemos a captura no estúdio da SIE em Los Angeles – é um estúdio enorme. Parte da minha equipe e eu fomos para lá, com muitos membros de produção: maquiadores, técnicos… parecia um set de Hollywood!

Mas quando o Luca começou a atuar, todos se reuniram para assistir. Nunca vi isso acontecer antes.

Por que você decidiu incluir um ciclo de dia e noite?

Hideo Kojima: Bem, é um jogo de mundo aberto, e já tínhamos essa ideia para Metal Gear Solid V. O tempo é, de certa forma, um tema em DEATH STRANDING. Há beleza no nascer e pôr do sol, no céu. Não consegui incluir isso no primeiro jogo por limitações do motor gráfico. Mas desta vez consegui implementar, embora não seja algo extraordinário.

No começo, as cenas noturnas estavam escuras demais e todos caíam dos penhascos. Colocamos faróis e ajustamos a iluminação várias vezes. Percebemos que, no jogo, realismo demais não funciona.

Além disso, as cutscenes refletem o horário do dia, então a iluminação precisa acompanhar. Isso foi difícil para nossa equipe. Eu dizia que queria uma luz de fundo, mais cinematográfica, mas o time respondia que o sol batia num certo ponto. E como não é uma cena pré-renderizada, tudo o que o Sam carrega — chapéu, equipamentos — aparece na cena. O clima e a hora também afetam tudo. Idealmente, gostaríamos que as pessoas jogassem a batalha do mecha polvo à noite. Mas, claro, podem jogar quando quiserem!

As entregas também mudam do dia para a noite. Quando você volta para o quarto e dorme, há a opção de dormir até de manhã. Fizemos isso porque sabemos que muitos jogadores não gostam do período noturno. Nos testes, alguns acharam chato essa pergunta aparecer. Em Metal Gear Solid V, você podia passar o tempo com um charuto. Aqui, você ajusta dormindo.

DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH parece ter um foco maior em combate tático. Como essa mudança influenciou o design geral e a narrativa do jogo?

Hideo Kojima: Bom, não estou recomendando que as pessoas lutem mais ou algo assim. Mas há muitas pessoas ao redor do mundo pedindo que eu faça outro Metal Gear, então adicionei mais opções de combate. Ainda assim, esse é um jogo focado principalmente em entregas. Você pode evitar os inimigos dando a volta, pode passar rápido usando um veículo ou moto, ou pode enfrentá-los; eu quis deixar essa escolha nas mãos dos jogadores. Nesse caso, precisávamos ajustar o design das armas para que fossem mais fáceis de usar.

Enquanto desenvolvíamos essas mecânicas, fiquei um pouco preocupado porque muitos dos membros da equipe que trabalharam comigo em Metal Gear ainda estão aqui, e a gente ficava se perguntando: “Isso está parecendo Metal Gear demais?” Mas não foi intencional.

Como falei antes sobre o tema “nós não deveríamos ter nos conectado” — em Death Stranding, há a teoria do bastão e da corda. Mesmo que o mundo esteja conectado por essa “corda” chamada internet, ainda estamos jogando jogos de “bastão”, nos atacando. Eu queria criar um jogo de “corda”, e foi isso que fiz em Death Stranding.

“Há muito conflito no mundo hoje. No fim das contas, conexão não é a solução para tudo”

Há muito conflito no mundo hoje. No fim das contas, conexão — a corda — não é a solução para tudo. O Higgs diz algo parecido no jogo: que para se conectar, você também precisa de um bastão. Conforme você avança no jogo, vai entender ainda melhor o que ele quis dizer. Por isso eu disse “nós não deveríamos ter nos conectado” — não só do ponto de vista do jogo, mas também da sociedade.

Havia o desejo de voltar às suas raízes nos jogos de stealth? A furtividade parece um elemento muito mais presente na sequência, tanto nos acampamentos inimigos quanto nos novos BTs.

Hideo Kojima: Você não precisa ser furtivo, se não quiser. Eu só pensei que há pessoas que preferem jogar no estilo stealth. Eu mesmo não jogo em stealth.

Como surgiu sua colaboração com o Woodkid? Quais eram suas expectativas para essa parceria?

Hideo Kojima: Já falei sobre isso em outras ocasiões, mas em janeiro de 2020, quando fui apresentar a ideia da sequência para a Léa (Seydoux) em Paris, a Cécile (Caminades) me disse que havia um músico que era fã e queria muito me conhecer. Eu já estava pronto para voltar para Tóquio, então estava meio relutante. Mas acabamos nos encontrando no saguão do hotel, e ele quis me mostrar a música que estava trabalhando no momento. Colocamos os fones e ouvimos ali mesmo. Era uma música incrível. Fiquei tipo: “O que é isso! Você é um gênio!” Era Goliath, que ainda não tinha sido lançada. Acho que ainda estavam finalizando a mixagem.

Me apaixonei pela música dele desde então. Voltei ao Japão e, naquele verão ou outono, o Woodkid lançou o álbum novo com Goliath. Quando vi o clipe, fiquei surpreso — parecia muito com o mundo de Death Stranding. Fiquei chocado. Vi outras músicas e clipes dele, e em um deles tinha uma praia e uma baleia — fiquei ainda mais surpreso. Entrei em contato e perguntei: “Como podemos ser tão parecidos?!” E o resto é história.

Quando o Ryan, do Low Roar, faleceu, eu não sabia o que fazer com a trilha sonora de Death Stranding 2. Foi aí que lembrei da minha conexão com o Woodkid e o convidei. Ele aceitou imediatamente. Há uns dois ou três anos, o Woodkid veio ao nosso estúdio no Japão e começou a compor em uma sala de conferências ao lado da minha. Depois voltou mais algumas vezes. Fomos juntos ao coral de Suginami em Tóquio, gravamos orquestra em Paris — foi tudo muito divertido.

Não foi só o Woodkid. Vocês ouviram várias músicas no jogo, e todas são de músicos que eu gosto. Há também algumas músicas do Low Roar.

Não deveria dizer isso, mas recebi um e-mail da família do Ryan depois que ele faleceu. Eles encontraram várias músicas inacabadas e me mandaram os arquivos, pedindo para que eu terminasse. Respondi que não conseguiria — eu não sou o Ryan, e as faixas estavam incompletas.

Mas depois, acho que no ano passado, eles me enviaram um álbum completo e mixado. Escolhi algumas músicas desse álbum. Então temos lançamentos novos do Low Roar no jogo, além de músicas antigas.

Como falei antes, fiquei preocupado ao escalar um novo ator depois do Mads, e foi o mesmo com a música. O Low Roar foi tão icônico no primeiro Death Stranding. Muitas pessoas me mandam mensagens perguntando se é possível superar aquela experiência musical.

O que vocês acharam? A música de Death Stranding 2: On the Beach está à altura? No mês passado, durante o evento da SXSW com o Woodkid, lançamos uma faixa nova dele. A recepção foi excelente. Ele me disse pela primeira vez: “Eu estava me sentindo muito pressionado, achando que as pessoas iam rejeitar porque não era o Low Roar. Mas agora estou aliviado.”

Você pode contar mais sobre como é o processo de seleção da trilha sonora? Sabemos que não pode revelar nomes específicos agora, mas até que ponto seu gosto pessoal influencia essa seleção?

Hideo Kojima: Trabalhamos com o Ludvig Forssell e também incluímos músicas do Woodkid. Todos os outros músicos são artistas que eu ouço no dia a dia e que gosto muito. Assim como com os atores, entro em contato diretamente. Às vezes peço permissão para usar músicas já existentes, outras vezes eles dizem que querem compor algo novo, e começamos a trocar ideias.

Ano passado, comecei a ouvir a Caroline Polachek e virei fã. Postei isso no Instagram e ela me mandou mensagem. Mantivemos contato, e nos encontramos em Paris. Ela me disse que queria compor uma música nova para Death Stranding 2. Ela trabalha muito rápido. A música dela toca na cena do “Plate Gate” — se chama On the Beach.

Tem também um artista da Mongólia chamado Magnolian. Ele fez a trilha de um filme mongol que assisti e adorei. Começamos a trocar mensagens. Ele veio ao Japão recentemente. Pedi para usar algumas faixas do álbum dele e ele disse sim, além de me enviar músicas inéditas.

Tem ainda a Hania Rani, pianista de Berlim, que foi indicada pela Cécile novamente. Nos encontramos pessoalmente quando ela veio ao Japão. Todos esses artistas eu contatei diretamente. A seleção musical reflete totalmente o meu gosto pessoal. Espero que todos gostem das faixas.

DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH aborda temas profundos como perda e luto. De onde vem a inspiração para esses temas? São experiências pessoais?

Hideo Kojima: Sim, vem de dentro. Metade são experiências reais que vivi, e a outra metade é ficção. Vem de um lugar muito íntimo, com pensamentos como o sentimento de solidão, de onde vêm os mortos, ou não conseguir se despedir de alguém querido.

Qual foi a parte mais recompensadora do processo de criação de DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH?

Essa é difícil. Eu estava completamente sozinho durante a pandemia escrevendo o conceito do jogo. O Yoji (Shinkawa) vinha me ver uma vez por semana, mas fora isso, trabalhei com muita gente sem nunca vê-los pessoalmente. Foi uma fase difícil. Ainda tem gente que trabalha de casa. Mesmo com esse caos, estamos quase terminando o jogo.

Durante a pandemia, achei que nunca conseguiria terminar. Acho que todos os estúdios se sentiram assim. Não dava pra filmar, não dava pra fazer nada. E eu pensava: “Como vou fazer um jogo assim?” Mas com o apoio de tanta gente, conseguimos avançar.

Death Stranding 2: On the Beach - New Key Art & Screenshots : r/ DeathStranding

Começamos a captura de performance em 2021, acho. Naquela época, eu não podia ir até Los Angeles para dirigir. Era proibido pelo estúdio. Todos os estúdios estavam assim. Então tive que fazer remotamente — eu em Tóquio, conectado com LA.

Claro, os atores iam até o estúdio, mas eu precisava explicar tudo à distância: “Fique aqui, ande até ali, faça isso.” Foi extremamente difícil. Usamos iPads e celulares, mas nada funcionava direito. Achei que fosse enlouquecer.

“Acho que estou apenas muito feliz por finalmente estar perto de concluir o jogo.”

Foi então que um conhecido da Sony criou algo chamado “mado” (janela). É como um smartphone gigante, uma tela bidirecional. Você vê e ouve tudo do outro lado, como se fosse uma porta para o estúdio em LA. A Sony nos emprestou duas dessas, e conseguimos seguir com as filmagens. O Norman até se aproximou da “janela” também. Foi difícil, mas também divertido.

Quando você trabalha pessoalmente, pode mudar coisas na hora, revisar ideias antigas. Mas remotamente, tudo é mais lento. Às vezes descobrimos tarde demais que a equipe estava trabalhando em algo que já tinha sido descartado. Acho que todos os estúdios passaram por isso. O que foi mais gratificante? Acho que estou apenas muito feliz por finalmente estar perto de concluir o jogo.

Comentários finais de Hideo Kojima

kojima-instagram.jpg
Hideo Kojima usando camiseta da Hatsune Miku. Imagem: Instagram.

Como disse antes, esse é um jogo sobre conexão. Independente da ideia de “nós não deveríamos ter nos conectado”, eu consegui conhecer todos vocês. Desculpem por não conseguir conversar com cada um individualmente.

Essa conexão não vai desaparecer. Nós nos conectamos aqui. Podemos aprofundar essa conexão. Vocês têm essa experiência no evento de prévia, junto com a experiência virtual de Death Stranding 2: On the Beach agora. Aproveitem esse momento de comunicação real, presencial! Muito obrigado.

Confira nossas impressões com Death Stranding 2: On The Beach

Além de visitar o estúdio de Hideo Kojima, eu passei muito tempo jogando Death Stranding 2: On the Beach. Você pode conferir as impressões completas com o game aqui no site do Voxel e também no nosso canal do YouTube!

Fique ligado por aqui para não perder todos os desdobramentos da nossa viagem para conhecer o estúdio e outros detalhes que descobrimos sobre Death Stranding 2, que tem lançamento marcado para 26 de junho de 2026 no PS5.

O jornalista viajou ao Japão a convite da Kojima Productions e da PlayStation Brasil.

Rolar para cima