Na última semana, os Estados Unidos colocaram em vigor as tarifas recíprocas de importação a praticamente todos os países do mundo, anunciadas no dia 2 de abril de 2025 por Donald Trump.
A China, o alvo preferencial, foi taxada em 34% por cima da pré-existente “taxa do fentanil” de 20%, mas quando Pequim retaliou com uma cobrança de igual percentagem, Trump escalou o “tarifaço”até 125%, o que foi respondido da mesma forma.
Make Gaming Expensive Again (Crédito: Game Rant)
Recentemente, o presidente dos EUA recuou nas taxas a países que buscaram negociar, estes estão temporariamente na faixa mínima de 10%, a mesma imposta ao Brasil, e por fim, Trump anunciou a tão antecipada isenção a smartphones, laptops, GPUs e semicondutores, porém, consoles de videogame não fazem parte da lista de beneficiados.
Trump can’t game
O mês de abril tem sido tumultuado para todo mundo que minimamente está prestando atenção da situação econômica global, isso porque o “tarifaço” de Donald Trump pode desencadear efeitos negativos em diversos setores; se a importação fica mais cara, o fluxo diminui, fornecedores vendem menos e nem sempre podem direcionar seus produtos a outros países, etc.
Embora a situação atual não se assemelhe à Grande Depressão, convém lembrar que a Lei Smoot-Hawley, sancionada em 1930 pelo então presidente Herbert Hoover, que impôs tarifas à importação com o mesmo objetivo protecionista de “equalizar as relações de comércio” (na prática, aumentar o fluxo de caixa da nação), piorou uma situação já ruim, aprofundando a recessão global.
Corta para a última quarta-feira (9), quando as taxas entraram em vigor, e Trump anunciou que “a maioria” dos países demonstraram interesse em negociar melhores condições nas importações com os EUA, incluindo a União Europeia (UE), estes seriam movidos por 90 dias para o tier mais baixo de taxas, 10%.
A China, como já dissemos, se recusou a negociar e retaliou inicialmente com os mesmos 34% de taxa, o que Trump respondeu adicionando mais 50%; Pequim repetiu a dose, os EUA elevaram a margem para 125%, e a China elevou a tarifa nos mesmos termos, respondendo que “não mais irá retaliar” se o presidente dos EUA tentar trucar de novo, vendo toda a situação como uma pantomina inútil.
O cálculo para a aplicação das taxas é complexo, varia conforme a categoria de produtos, que podem ou não receber a “taxa do fentanil” antes da de 125%, além de taxas sobre alumínio, aço, e carros e peças (25% cada, a última entra em vigor em maio de 2025).
No nosso caso, vamos nos ater aos produtos de tecnologia, como smartphones.
iPhones e smartphones Android escaparam das taxas… por enquanto (Crédito: Mr.Mikla/Shutterstock)
Esses produtos vindos do País do Meio seriam sujeitos aos 20% da “tarifa do fentanil”, mais os 125% do “tarifaço”, resultando em uma cobrança de 145% sobre compras realizadas por importadores.
Isso vale não apenas para empresas, mas também para o consumidor individual, após Trump remover China e Hong Kong da cobertura de uma lei centenária, que isentava compras abaixo de US$ 800.
Digamos que a Apple pague US$ 200 para importar um iPhone 16 Pro Max da China para os EUA. Com a aplicação prevista na escalada de taxas de Donald Trump, esse valor chegaria a US$ 490, o que inevitavelmente teria impacto no preço de venda.
O problema, não é interessante para Trump prejudicar a maçã, e favorecer indiretamente a rival Samsung, cuja cadeia de produção fica concentrada na Coreia do Sul, e a taxa de 25% imposta ao país, embora alta, não chega nem perto da aplicada à China, de quem a Apple depende para produzir seus gadgets.
Outras companhias fabricantes de hardware também dependem da cadeia chinesa, como a Nvidia, que lidera com folga (cuidado, PDF) o setor de soluções de componentes e semicondutores de IA para empresas; sua linha de GPUs para o público gamer respondeu por apenas 17% da receita de US$ 60,9 bilhões (~R$ 355,1 bilhões, cotação de 14/04/2025) em 2024, ou US$ 10,4 bilhões (~R$ 60,64 bilhões).
Assim, para não prejudicar os negócios destas companhias, e mantê-las na liderança de seus respectivos mercados, Trump assinou uma nova ordem executiva, isentando determinados produtos e componentes de tecnologia das taxas recíprocas, e também da tarifa-base (que varia conforme a categoria), sendo aplicável apenas a “taxa do fentanil” de 20%, caso esses bens venham da China.
Entre as categorias, encontram-se smartphones, tablets, GPUs, laptops, monitores, semicondutores, discos rígidos, memórias Flash (SSDs e afins), e maquinário para a impressão de semicondutores, como os produzidos pela ASML.
Ao mesmo tempo, a relação de exceções não cobre consoles de videogame; embora eles usem semicondutores, inclusos na lista, os sistemas da Nintendo, Microsoft e Sony são importados e taxados as is, eles possuem uma categoria própria na lista de bens importáveis.
Nem adianta fazerem cara feia, vai todo mundo pagar igual (Crédito: FalcoFanArter/DeviantArt/Santa Monica Studio/Sony Interactive Entertainment/343 Studios/Microsoft/Nintendo)
Tanto a Microsoft quanto a Sony montam seus consoles Xbox Series X|S e PS5 Slim/Pro na China, estando sujeitos aos 20% + 125% para entrarem nos EUA; a Nintendo, por sua vez, redirecionou a produção do Switch e do Switch 2 para o Vietnã, este taxado em 46%, que também não é uma alíquota pequena.
Embora as três companhias, especialmente a Big N, que introduzirá um hardware novo no mercado em junho de 2025, possam ter levado em conta possíveis tarifas impostas por Donald Trump em suas estratégias de negócios, provavelmente ninguém antecipou o “show de retaliações” das últimas semanas, tampouco uma cobrança alta como a aplicada ao Vietnã, maior que os 34% originais sobre a China.
Segundo Christopher Dring, ex-editor do site Games Industry, as consequências serão inevitáveis, os preços dos consoles deverão ser reajustados no futuro para que tais novas despesas sejam amortecidas, ou seja, o consumidor vai pagar, como sempre. No caso da Nintendo, ela deverá absorver o prejuízo com o Switch 2 agora, mas aumentar o tíquete médio em 2026, enquanto Sony e Microsoft podem ser mais imediatas.
Ao mesmo tempo, um maior preço nos EUA deverá se refletir em um efeito cascata, com o reajuste do valor dos consoles em todo o globo, pelos mesmos motivo mencionados antes: a América é o maior comprador de tudo, e com produtos mais caros por lá, menor venda, acúmulo de estoque, e necessidade de redirecionar a produção para outros países, o que eleva de novo os custos.
Em média, o reajuste no preço dos consoles pode exceder 40%, tornando o hobby de jogar na sala de estar ainda mais caro.
Tarifas sobre o México podem tornar Blu-rays proibitivos (Crédito: The Real Tokyo Life/Getty Images)
Tarifas podem acelerar fim da mídia física
Quando a “taxa do fentanil” foi implementada, a China não foi o único alvo; México e Canadá também foram punidos com alíquotas mais altas, 25%, o que acendeu outro alarme no mercado gamer: o país latino é o maior fabricante de mídias físicas em disco (DVD, Blu-ray).
Como comentado antes, o movimento da Sony em não suceder o Blu-ray com um novo formato físico apontava para uma migração do mercado de games em direção ao digital, mas com as novas tarifas, o preço para prensar um disco poderia se tornar proibitivo desde já, o que seria seguido com um aumento do preço médio dos games digitais, dada a maior demanda.
A Nintendo saiu pela tangente nessa, aparentemente seus cartuchos prensados no Vietnã não serão taxados, mas, ao mesmo tempo, a empresa deu a largada no próximo reajuste de games, ao cobrar US$ 80 por Mario Kart World, o primeiro grande título first party do Switch 2, e ainda mais pela versão física em alguns países.
Do outro lado do rio, os preços de PCs e componentes, como GPUs, já estão insanos sem a necessidade de tarifas para isso, e a pausa temporária deu um respiro nesse sentido, porém, reajustes que afetem os preços dos games em consoles serão refletidos, sem piedade, nos cobrados em lojas como Steam, Epic Games Store, GOG, e outras.
No fim, não é tão difícil imaginar que jogar, seja em um console ou no PC, pode voltar a ser tão proibitivo quanto já foi no passado, e mesmo o consolo de games mobile não vale de muita coisa, considerando que um minimamente decente para títulos pesados não é acessível.
A outra opção, migrar para o streaming de games e aceitar, resignado, que não será dono de nada.
Fonte: The Game Business