Após o amadurecimento da indústria e das muitas gerações de console, a importância da tradução e da localização de jogos finalmente está sendo reconhecida. Experimentar um título adaptado para outra cultura vai muito além do idioma, sendo também fundamental para a representação adequada da obra.
Ainda assim, apesar dessa importância, muitos estúdios e empresas seguem negligenciando a localização de seus jogos — em alguns casos, nem mesmo trazendo legendas. Delicado, o tópico ganhou ainda mais profundidade diante da recente tendência de aumento de preços em toda a indústria, com alguns jogos chegando a custar R$ 500.
Nesse contexto, durante a Gamescom Latam, o Voxel conversou com Waldemar “Deco” Piekarski, o gerente responsável pela localização da CD PROJEKT RED para o português. Com passagens por The Witcher 3 e Cyberpunk 2077, Deco compartilhou detalhes sobre o complexo processo de adaptação dos jogos do estúdio para o nosso idioma — incluindo a curiosa escolha do termo que será usado para Ciri no próximo título da franquia.
A seguir, você confere mais detalhes sobre o processo de localização dos jogos da CD PROJEKT RED para o Brasil!
Como os livros, jogos de The Witcher também são escritos em polonês
Logo de início, tivemos uma surpresa: todos os jogos da CD PROJEKT RED são escritos originalmente em polonês — assim como os livros que os inspiraram. Em seguida, o conteúdo é traduzido para o inglês, que serve como idioma-base para todas as demais localizações.
Segundo Deco, essa ordem de produção facilita bastante a vida das equipes responsáveis pela tradução, já que o polonês é, em suas palavras, uma “língua do capeta”. Ainda assim, é o áudio em inglês que costuma ser gravado primeiro, o que define o tempo de fala e serve de referência global para as demais versões.
Processo de localização para o português brasileiro leva meses
A partir daí, começa o extenso processo de localização para o português, que pode levar cerca de nove meses. Esse período contempla as etapas de tradução, adaptação cultural, revisão e dublagem.
No entanto, a abordagem muda bastante dependendo do jogo — como foi o caso de Cyberpunk 2077 e The Witcher 3, que possuem universos e estilos completamente distintos.
Gírias de Cyberpunk 2077 casaram facilmente com a cultura brasileira
No caso de Cyberpunk 2077, o cenário futurista e urbano permitiu uma linguagem mais próxima da que usamos hoje em dia. Termos como “Tchum” (parceiro) e “Dar o delta” (ir embora), por exemplo, foram mantidos do idioma original, pois se encaixaram com naturalidade na nossa cultura. Segundo Deco, o time contou com “um baú repleto de gírias e expressões” para adaptar o conteúdo de forma criativa, mas ainda fiel ao universo do jogo.

Além disso, Cyberpunk também exigiu um volume impressionante de trabalho técnico. Isso porque o jogador pode escolher o gênero da protagonista, o que exigiu a gravação em dobro de milhares de falas. Esse detalhe contribuiu diretamente para as mais de 105 mil linhas de diálogo dubladas em português — um número que ilustra bem a complexidade do projeto.
The Witcher 3 evitou termos muito antigos ou arcaicos
Por outro lado, The Witcher 3 apresentou desafios diferentes. Mesmo com cerca de 30 mil falas a menos, o título se passa em um mundo de fantasia medieval, o que exigiu uma atenção especial à linguagem utilizada.

Deco explica que a equipe evitou o uso excessivo de termos arcaicos, que poderiam tornar o conteúdo difícil de compreender para o público atual. Com isso, optou-se por uma linguagem mais moderna, mas com alguns toques sutis de estilo antigo.
Dublagem da CD PROJEKT RED é feita sem acesso às cenas visuais
Com o roteiro localizado pronto, o processo segue para a gravação dos diálogos. Essa fase é acompanhada de perto tanto pelo diretor de dublagem quanto pelo próprio Deco, que garantem que todas as falas sejam executadas com a entonação e interpretação adequadas ao conteúdo localizado.
Entretanto, esse trabalho não é nada simples. Como os dubladores não têm acesso às cenas visuais, eles se guiam por notas no roteiro que descrevem a intenção da fala. E, como destacou Deco, nem sempre isso funciona perfeitamente: “Se a indicação estiver ambígua ou for mal interpretada, passa uma ideia errada”.
Por conta disso, é comum que algumas falas precisem ser regravadas semanas depois. Quando isso acontece, existe o risco de o dublador alterar o tom sem perceber, ou de o diretor não revisar a gravação anterior — o que pode gerar inconsistências perceptíveis na entrega, como tons ríspidos em cenas calmas ou o oposto. Isso foi especialmente comum em Cyberpunk 2077, por conta do grande volume de falas envolvidas.
A Ciri será uma “bruxa” em The Witcher 4?
Apesar de Deco não poder comentar diretamente sobre The Witcher 4, conseguimos esclarecer uma das dúvidas mais frequentes entre os fãs: afinal, como Ciri será chamada no novo jogo da franquia?
Antes de responder, é importante entender um pouco da terminologia da série. No universo criado por Andrzej Sapkowski, apenas homens se tornam “witchers” — que, em português, são chamados de “bruxos”. Já personagens como Yennefer e Triss são “feiticeiras”, referindo-se a tradução de “sorceress”, enquanto as “bruxas” são, no contexto da série, criaturas místicas e até vampirescas.

Foi essa diferença que gerou debate entre as equipes de localização ao redor do mundo. “No inglês, eles estão usando o termo witcheress,” afirma, “No caso do espanhol, eles disseram ‘bruxa para nós é pejorativo’”, explicou Deco.
Em português brasileiro, após pesquisas com foco em cultura, linguagem e recepção do público, chegou-se à conclusão de que o termo “bruxa” era o mais adequado. Assim, ele será adotado tanto no material promocional quanto no jogo final — marcando um passo importante na representação de Ciri como protagonista.
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